Passei todo o fim de semana num estado letárgico, sem saber o que fazer, sem saber o que escrever, sem saber o que pensar… mas que raio não há ninguém para citar, ninguém para homenagear?
Não me saía da cabeça o Nobel Saramago, aquele que numa vida resolveu picar a hipocrisia cristã e os seu pregadores… Puxa… já não me tornarei a rir com a ironia e o sarcasmo cortante que só ele tinha arte para a expor…
Saramago deixou-nos à sorte aos 87 anos. Noticia dada da forma que os meus de comunicação sabem dar. Fria, objectiva e rápida… seguida de um minúsculo resumo da sua grande vida… provavelmente decidido e escrito por alguém que nunca leu nenhum livro do mestre… do génio, revolucionário, um verdadeiro subversor das regras: cristãs, gramaticais, senso comum. Acima de tudo um crítico da vida e do ser humano... Um homem que dizia que não queria convencer ninguém, pois isso seria um desrespeito. Um português que dizia que convencer é colonizar. Sempre afiada, sua mente nunca estava satisfeita. Não falava nada mais do que todos já falaram e a maioria já sabia. Nada digno de Saramago. Nada digno de alguém que uma vez escreveu sobre como seria mau se as pessoas deixassem de morrer. Alguém que um dia escreveu que sem ela (e aqui não falo de sua presença, mas do seu acontecimento mesmo), viver seria insuportável. E esse alguém finalmente a encontrou. Não era inesperado, mas não por isso menos triste…
Estranho como a morte de alguém que eu nunca conheci pode causar tamanha tristeza. Engana-se quem diz que a morte do Nobel foi uma perda para a humanidade. Ela foi uma perda para cada um de nós enquanto indivíduo, enquanto ser humano. Cada um de nós ficou um pouco mais cego hoje. Mas não uma cegueira branca. Aquela velha cegueira da escuridão, nas nossas mentes e nos nossos corações. A cada livro que se lia do mestre, crescia-se um pouco mais enquanto pessoa e olhava-se o mundo com outros olhos. Olhos com os quais não mais poderemos ver. Os olhos de Saramago, únicos olhos de Saramago que não mais se irão abrir. Talvez seja bom. É chegada a hora de andar com os próprios pés. Não mais se apoiar na sua visão, mas usá-la como um trampolim para a nossa própria. E desta cegueira de escuridão podemos chegar um dia à cegueira branca. Pois, no fim, somos todos cegos. Ou talvez, apenas estejamos todos cegos, como diria Saramago. Cegos para nós mesmos e para o próximo. Apesar de tudo, ainda acho que ele não concordaria comigo, como Saramago dizia:
“Nem a arte nem a literatura têm de nos dar lições de moral. Somos nós que temos de nos salvar, e isso só é possível com uma postura de cidadania ética, ainda que isto possa soar antigo e anacrónico”
Até sempre….